A possibilidade de se construir estruturas cada vez mais esbeltas e arrojadas trouxe, sem dúvida, um grande avanço tecnológico à construção civil. Na mesma medida, porém, foi preciso pagar um alto preço: o cálculo dessas estruturas é cada vez mais complexo e refinado.
Antes, o projeto era feito por modelos matemáticos simples, porque havia ferramentas para isso, como as pequenas máquinas de calcular. Entretanto, à medida que as estruturas foram se sofisticando, o custo também foi crescendo. Com a evolução dos microcomputadores e dos softwares, ferramentas poderosas foram criadas com a finalidade de auxiliar os engenheiros a executar os projetos.
Dentre os programas existentes no mercado, poucos estão adaptados à execução de projetos de estruturas de concreto armado para construção de edificações comerciais e residenciais conforme recomenda a NBR 6118/2003. Um dos mais utilizados pela engenharia civil no país é o TQS, que faz a análise, detalhamento, dimensionamento e desenho das estruturas.
Outro software nacional bastante empregado é o AltoQi Eberick, principal produto da AltoQi, também destinado ao projeto de edificações em concreto armado. O programa possui um poderoso sistema gráfico de entrada de dados, associado à análise da estrutura em um modelo de pórtico espacial e diversos recursos de dimensionamento e detalhamento de lajes, vigas, pilares, blocos sobre estacas e sapatas. Segundo usuários, é um software que se destaca pela produtividade para elaborar projetos e por fornecer um bom número de soluções. Um de seus módulos, inclusive, tem sido utilizado como ferramenta para os alunos do 5o ano de engenharia civil da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado).
Responsável pela implantação do projeto, o engenheiro e professor Marcel Kater explica que a intenção foi colocar em prática a aprendizagem de todo o cálculo estrutural de uma obra, que até então ficava apenas na teoria. “Em geral, a maioria das faculdades oferecem o curso como extensão e não como disciplina do currículo de engenharia civil”, diz Kater.
Já o CypeCAD é originário da Espanha e comercializado no Brasil pela Multiplus. Apesar de ser estrangeiro, foi adaptado à NB1. Segundo Harold Hirth Jr., diretor técnico da Multiplus, a ferramenta cria a estrutura completa no computador, ficando a cargo do engenheiro fazer a análise de resultados obtidos e as modificações de maneira interativa. De acordo com Hirth, o programa é muito utilizado em projetos de edificações, tendo em vista que conta com uma geometria livre.
Projetos especiais
Existem outros tipos de softwares voltados ao cálculo de estruturas de projetos especiais, como, por exemplo, de pontes e viadutos, e cálculo de estruturas metálicas. Os mais utilizados são os estrangeiros Strap, Adapt e SAP2000. “Usamos em nosso escritório, como ferramenta de análise geral, o sistema Strap, de origem israelense, mas é com o sistema integrado TQS que fazemos praticamente todo o projeto”, diz o projetista Ricardo Leopoldo e Silva França, um dos coordenadores da revisão da NBR 6118 e sócio do escritório França Associados.
Para ele, o uso de softwares ajuda muito a solucionar diversos problemas de projeto. Entretanto, pouco adianta utilizar um software se a criação não partir de um engenheiro com boa experiência de projetar. França destaca que um software sempre trará resultados, mesmo quando algum cálculo estiver errado. Inclusive, detalha a solução errada com a mesma qualidade do que foi criado corretamente. “Para se chegar a um bom resultado, vale lembrar que são tomadas uma série de decisões técnicas enquanto se projeta com essas ferramentas e que, para isso, o pré-requisito é o conhecimento de engenharia e não a habilidade de se lidar com o software”, ressalta França.
Possuir larga experiência de projeto é fundamental na opinião dos especialistas. Mal utilizado, o software poderá levar o usuário a tomar decisões equivocadas e que conduzem a um projeto aparentemente certo, porém com erros delicados. “Alguns profissionais que fazem uso desses softwares nem sempre têm conhecimento necessário para detectar o erro”, alerta França. Ele compara a função de um engenheiro à de um médico especializado ou à de um piloto de Fórmula 1, que necessitam de muito treino.
França diz que hoje existem novos materiais e soluções que exigem maior poder de avaliação. As estruturas de concreto armado, por exemplo, são formadas por um material heterogêneo e de comportamento não-linear. Ou seja, o concreto não tem apenas uma entrada e saída. Logo, é muito importante frisar que os programas de cálculo e de projeto são aproximados, porque o funcionamento do concreto armado e protendido é muito mais complexo do que essas ferramentas conseguem analisar.
“A resposta real das estruturas de concreto é chamada resposta não-linear. O que os nossos programas, mesmo os mais sofisticados, fornecem são respostas aproximadas desse comportamento. Daí é imprescindível que o profissional saiba avaliar quando uma resposta aproximada não é válida”, conclui.
De acordo com o engenheiro Túlio Bittencourt, coordenador da área de sistemas estruturais e do curso de especialização em gestão de projetos de sistemas estruturais da Escola Politécnica da USP, antes do surgimento dos microcomputadores, o projeto era executado manualmente, com desenhos na prancheta, lápis e nanquim, e os cálculos feitos em calculadoras científicas. Tais procedimentos consumiam um tempo muito maior e tinham pouca precisão devido ao número de simplificações de todo o processo.
A preocupação maior hoje é justamente a de formar os engenheiros partindo-se do pressuposto de que os projetos saíram de vez do papel e de que os softwares são a nova realidade.
Além de proporcionarem economia de tempo, os softwares permitem, também, que os profissionais testem inúmeras alternativas até chegarem a um modelo estrutural tecnicamente viável, com segurança, durabilidade e custos compatíveis com o orçamento da obra.
O posicionamento da Abece (Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural) é de estimular o uso das ferramentas nos escritórios. Porém, ressalva a necessidade de que sejam manipuladas por profissionais com experiência de projeto.
A Abece também promove a conscientização dos profissionais de que se a aprendizagem não ocorrer ainda na graduação, ou em um curso de especialização, um estágio em um renomado escritório especializado em cálculos estruturais pode sinalizar um bom começo.
“Em suma, a obra é aquilo que o arquiteto e o projetista estrutural pensaram, o software é somente um meio para concretizá-la”, diz Mário Franco, do Escritório Técnico Julio Kassoy e Mário Franco Engenheiros Civis. Pioneiro na utilização de softwares, com inúmeras obras no Brasil e exterior, o engenheiro sempre faz questão de salientar que é necessário acabar com alguns mitos disseminados entre não-especialistas em cálculo de estruturas. “Antes de tudo, é preciso conceber com responsabilidade e criatividade, em busca de soluções, pois esta é a principal marca de um bom trabalho.”
Fonte: Revista TÉCHNE